Sunday, August 20, 2006

São tantas formas de falar o que eu não quero falar

Engraçado? Tal qual um vampiro que ri, a caneta desliza seus passos, manchando a fola pautada do silêncio. Seria a expressão deste objeto em mãos uma forma de elaboração? A pena de metal busca reviver meus mitos e meus ritos, rasga o momento, movida nas pontas dos meus dedos como um dedo indicador acusador mas... tudo bem, escreve em uma velocidade mais fácil de enfrentar.
[Mordisco a tampa azul de plástico. Meus dentes só tem se fechado sobre essa artificialidade. Queria lembrar de alguma língua doce, algum momento de vida macia, realizadora. E o que é isso? Suco quente do sangue da presa correndo na minha boca]
Como a voz de um velho dos quadros de Rembrandt, ouço o sussurro mórbido em tons médios mediante a muralha que o cala, só fazendo reconhecer-se pelos bilhetes curtos que passa pelas frestas nas rochas por onde passam os ratos. A mão que os recebe nunca sabe se são bilhetes ou ratos, por isso é roída e rude nos movimentos, nunca tendo provado afago, agrado ou cumprimento. É mão viva que sonha com o mago do outro lado.
A garota é magra, branca e veste seus roller blades, balançando as pernas fora das grades da gaiola em que a puseram. São só uns quatro metros do chão, e ela não quer sair. Esta calada, com seu único braço jogado sobre as pernas, só que seus olhos dizem muito e eu já não consigo parar de olhar. Eu quero que ela fale comigo, sustente o som sibilante que corria até então entre os seus dentes, só que seus olhos me dizem muito e assim fico sem ter o que falar.
Essa garota não existe, se existisse teria os dois braços e carregaria uma pasta e livros, é só uma metáfora como a sombra do gato na parede tremendo à luz da tocha na rua, antevendo o tamanho e velocidade de suas garras no pássaro devorado pela manhã. Essas metáforas não existem, mas nelas também não existe um dragão que voa na tempestade, contorce e estrangula o gordo golem de carne que quando jovem o jurou de morte. Não existe o turbilhão de forma helicoidal que determina destinos, num vai e vem deixando o profundo óbvio e o cotidiano místico, encriptando essas mentiras. Me afoga nos poços escuros desse castelo, desse cenário.
São tantas formas de falar o que eu não quero falar, do que eu não quero falar que eu não quero falar.
Isso aí eu escrevi numa aula de psicanálise semestre passado e não tava sob o efeito de nada não. E fodam-se os golens.
Por Fabrício Peponto Viscardi

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